Diplomacia brasileira ganhou, apesar de Europa e Estados Unidos, e Roberto Azevêdo irá comandar OMC
Desta vez, o Brasil ganhou a disputa por um papel de estrela na diplomacia internacional. Nunca antes o governo fez campanha tão pesada a favor de um candidato: dos posts nos Twitter e Facebook às ritualísticas visitas do ministro e embaixadores na busca de votos, tudo foi usado para selar acordos e vender Roberto Azevêdo para o comando da Organização Mundial do Comércio. Num avião da FAB, o candidato rodou o mundo, trocando de camisa a bordo, sem tempo de parar em hotéis. Nos últimos dias, entrou em ação a presidente Dilma e, junto com o Itamaraty, conseguiu neutralizar a decisão da União Europeia de fechar questão a favor do mexicano Herminio Blanco. A diplomacia brasileira ganhou, apesar de Europa e Estados Unidos, e a briga agora é contra a irrelevância da OMC no cenário mundial.
Roberto é o melhor nome, todos dizem. Embaixador do Brasil na OMC desde 2008, conhece o tamanho da encrenca que terá pelos próximos quatro anos. A mais nova delas é evitar que o racha entre os países do Norte e do Sul - evidenciado na sua eleição - leve a sessentona instituição a ficar paralisada. Ele recebeu o voto de 93 países - 30% a mais do que o adversário - e o peso dos Brics na sua eleição mostra a mudança do desenho do poder no mundo. Ficaram com o adversário mexicano os votos da Europa e dos EUA, países responsáveis por 50% da corrente de comércio do mundo, muito pouco interessados em reabrir negociações globais.
“Evitar que as regras do comércio sejam fixadas fora da organização pode ser impossível”, disse um especialista.
O baiano não vai ter vida mansa. Começará a viajar de novo para buscar consensos e apresentar em quatro meses, em Bali, uma proposta que destrave a Rodada Comercial de Doha, aquela empacada há 11 anos, sem que o mundo consiga chegar a um consenso sobre regras mais justas no comércio global.
Só que enquanto essa negociação não andava, União Europeia e EUA partiram para conversas diretas e estão preparando um mega-acordo comercial bilateral. Para eles, o mexicano era o melhor diretor da OMC neste momento: ele foi o homem que costurou as medidas do tratado de livre comércio entre México e EUA, o já velhinho Nafta, de 1994. Depois disso, considerou que tinha provado sua competência ao mundo, saiu de cena por dez anos, foi tratar de seus interesses privados e voltou agora achando que era só correr para o abraço. Errou.
“A aposta brasileira é na negociação multilateral na tradição da OMC. Já os países do Norte apostam no regionalismo, nos grandes blocos, não querem voltar a negociar globalmente”, diz Carol Monteiro de Carvalho, advogada especialista em comércio exterior.
Por trás da disputa entre os dois candidatos, eram duas visões de mundo em confronto. Na percepção dos países ricos, o Brasil fica do lado das economias mais fechadas, tem poucos acordos bilaterais, só com Egito, Palestina e Índia. “Estamos arrastando aquele chumbo pesado do Mercosul”, reclama um diplomata. Já o México, que exporta 80% dos seus produtos para o vizinho gigante, está também negociando com Chile, Peru e Colômbia um acordo com a Ásia e mostra-se muito interessado na abertura dos mercados.
“Agora é a hora de buscar consensos. A Europa vai ter de fazer uma reaproximação”, diz um diplomata brasileiro em clima de comemoração.
O medo da derrota rondou nesta terça-feira as embaixadas e o Itamaraty. O soft power brasileiro é reconhecido, mas recentemente começou um certo mau humor com a estratégia da diplomacia de disputar cargos de prestígio para assegurar maior relevância na divisão do poder global. A crítica é de que o Brasil quer o estrelato sem passar pelo desgaste de entrar nas questões polêmicas. A eterna reivindicação brasileira por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, tem apoio internacional, mas não sai do lugar, e já pouco se fala na reforma do fórum. Diplomatas do Reino Unido acham que, para chegar no conselho e ficar ao lado dos grandes, o Brasil deveria multiplicar sua participação em missões de paz na África ou exercer mais sua liderança na América Latina - não temendo entrar em temas difíceis como a eleição contestada na Venezuela. “Isso é uma visão de uma potência colonial que não quer perder poder. Aceita novos sócios no clube, mas pretende continuar ditando as regras”, rebate, chutando a canela, um diplomata.
Uma nova batalha começará pela Comissão de Direitos Humanos da ONU.
Fonte: Helena Celestino
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